domingo, 3 de fevereiro de 2013

Conto de Horror: A Criatura sem Rosto


            Alice corria pela floresta se escondendo nas sombras das arvores. O monstro a perseguia e mal esperava a hora em que umas das partes de seu corpo tocasse a luz para que pudesse devorá-la por completo, arrastá-la para o espaço iluminado, acabar com a sua vida e absorver a sua forma.
O monstro desta história é bem diferente da maioria dos monstros que você já viu. Ele não vive na escuridão e ataca as suas vitimas a noite como os outros. É na luz que ele se fortalece, deixa suas vitimas confusas andando nas trevas e procurando um raio solar, mas ao primeiro contato com o brilho... O ataque! Outra forma de ataque animal deste ser é através de superfícies refletoras, enquanto foge do perigo, o individuo gasta toda a água armazenada em seu corpo, e quando se abaixa para deleitar-se em um lago, mesmo que na parte escura... As garras sanguinárias do monstro endiabrado rasgam a carne do pobre coitado. Simplesmente não há como fugir desta ameaça.
¬Por quê? Como isso foi acontecer? – Gritava Alice com toda a força de sua alma enquanto ouvia as gargalhadas metálicas do monstro ao seu redor.
Ela se escondia sob a sombra de um dos milhares de pinheiros da floresta. O dia estava frio, e a neblina caia devagar sobre as grandes folhas das arvores, molhando o rosto da menina. Sua camisa vermelha, bordada há algum tempo pela avó, agora estava cheia de gotículas de água. Ela chorava desesperadamente e rogava por piedade divina, afinal havia perdido o amor de sua vida e agora a morte lhe rodeava esperando a hora em que o sangue pudesse espichar nos troncos duros da floresta.
Pelo canto do olho ela avistava os vultos da criatura por entre as plantas, ainda lembrava-se bem da aparência medonha. A criatura não tinha rosto, só uma pele que vinha do pescoço, encobria a cabeça e se colava as costas. Seu vestido de pele humana era mais alvo que as nuvens de um céu claro, e suas mãos tinham unhas grandes e pontudas. Alice não sabia de onde vinha o som, mas podia perceber que o monstro emitia ruídos metálicos, às vezes em tom de riso.
No começo daquele dia ela acordara normalmente como em qualquer outro. Saia para pegar um pouco de água na fonte quando avistara Julian, seu amor secreto com quem ela sempre quis ter uma vida a dois. Ele estava com o seu macacão por sobre uma camisa quadriculada que encobria o peito musculoso do rapaz. Seus sedosos cabelos castanhos estavam bagunçados como sempre, e o garoto olhava fixamente para Alice com o par de olhos castanhos cor-de-mel. Era de tirar o folego o seu olhar.
¬Oi Alice, como anda? – Disse o rapaz enquanto se aproximava.
¬T-Tudo bem! – Balbuciou a menina em resposta.
Já algum tempo que Julian percebia a atração que Alice sentia por ele, afinal não era de hoje que a menina corava toda vez que ele chegava perto. Quando criança ele não gostava dela, achava aquilo de sentimentos muito besta, mas quando cresceu Alice ficou muito bonita, deixou seus cabelos pretos crescerem até a cintura, começara a se cuidar, e por ai vai. Julian considerava até a possibilidade de algo sério entre os dois. Casar-se-iam, teriam filhos e os criariam ali na aldeia de Avillar, construiriam um futuro lido juntos.
Ele chegou mais perto para tentar uma aproximação maior, mas a menina deu um passo para trás, sem lembrar que seu balde de água estava logo ali, foi então que tropeçou e quase bateu a cabeça no chão, não fosse por Julian, que lhe pegara nos braços.
¬Não se afaste de mim! Eu sei que você...
¬Não! Você não... – Quando já ia começar um longo discurso, Alice foi interrompida por um beijo, um doce e quente beijo. O seu primeiro, aliás. – Por que você fez isso? – Gritou após receber o beijo afastando o menino de perto de si.
¬Vai dizer que você não gostou?
A menina corou com a pergunta e já ia virando até que o belo rapaz a agarrou pelo braço e tacou-lhe outro beijo. Desta vez ela não resistiu, apenas aproveitou cada momento enquanto estava colada com o homem com quem sempre quisera.
¬Não adianta mais esconder esse sentimento! – Exclamou Julian pondo a mão por sobre o rosto da amada.
Uma expressão triste tomou conta do rosto delicado de Alice, uma lagrima escorreu do seu rosto e foi logo enxugada por Julian.
¬Seu pai jamais aceitaria, sua mãe me enxotaria da sua casa!
Julian era de uma família de ferreiros ricos. Seu pai tinha uma grande fabrica metalúrgica onde trabalhavam vários moradores da aldeia, entre eles Paul, o pai de Alice. A menina nunca tivera direito a luxos, morava em um casebre enquanto seu amado residia em uma mansão nos fundos da aldeia. Como filha única, a mãe sonhava em lhe casar com um homem de boa condição, mas se casar com o filho do homem mais rico era pedir demais.
¬Eu luto contra a vontade dos dois! Olhe! Meu amor por você cresceu muito nos últimos anos, é um sentimento forte demais para ficar guardado em meu peito! Eu faço o que preciso for para ficar com você!
¬Faria mesmo?
¬Sim!
¬Não desperdice esta chance minha neta! – Disse uma voz pro trás dos dois.
Eles si viraram e viram que era Gondolice, a avó de Alice. Estava vestida com o seu velho vestido branco e azul, sob o xale rendado. Gondolice sempre gostou muito de Alice por ser a sua neta mais velha, e ao ver a declaração de Julian, ela ficou disposta a não deixar a neta estragar a chance de ser feliz para sempre.
¬Mas vó...
¬Sua vó tem razão! – Concordou Julian. – Eu até aceitaria fugir junto a ti.
Por um momento Alice ficou esperançosa. Se eles saíssem daquela aldeia, os pais de Julian não iriam interferir em nada e eles até poderiam morar em outra aldeia, ou até mesmo na cidade, desfrutando o seu amor. Mas nem tudo seria um mar de flores. Alice sentiria muita falta da sua família, de seu pai Paul, de sua mãe Juliet, e também de sua avó Gondolice.
¬Eu sentiria muita falta da minha família! E você não, Julian? – Indagou.
¬Não seria por muito tempo, logo voltaríamos para cá, mas já bem casados, meus pais não poderiam dizer nada!
ƒ um bom plano Alice!
¬Tudo bem! – Concordou por fim. – Eu vou!
Julian lhe deu mais um beijo, algumas pessoas que passavam até pararam para olhar a cena. Era melhor que eles se apressassem antes que a noticia chegasse aos ouvidos de Solomon e Martha, os pais de Julian.
¬Agora mesmo eu vou para a floresta. Eu e Albert deixamos alguns cavalos e uma carroça lá, é certo que meu irmão não me negará ajuda!
¬Pois então vá logo, Julian! – Falou Gondolice. – Enquanto isso eu vou preparar uma trouxa de roupas para Alice e algum suprimento de comida para que vocês não morram de fome! Nada muito grande, só o suficiente para chegar à próxima aldeia.
¬Pois então vou indo! – E assim saiu correndo muito feliz.
¬Parabéns minha neta, vai se casar com um dos Bifrost!
¬Eu estou com medo vó! Isso tudo foi muito repentino! Não é melhor esperar um tempo para fugir? Fugas planejadas de ultima hora nunca dão muito certo.
¬Tudo dará certo, minha filha! Mas lembre-se, diga para Julian pegar o caminho dos carvalhos e salgueiros, jamais andar pela floresta de pinheiros!
¬Por quê?
¬Muitas mortes andam acontecendo lá! É melhor evitar o caminho! Agora vamos... Temos muito que aprontar!

Julian chamou Albert, seu irmão, para juntos irem buscar os cavalos que um dia antes deixaram na floresta após uma cavalgada. O irmão achara uma loucura a sua ideia de fugir.
¬Você vai abandonar a vida boa que a gente leva aqui por causa de uma garota? E ela nem é umas das boas...
¬Olhe o respeito com a minha futura mulher! – Gritou Julian zangado. – Ela é a melhor mulher para mim e ponto final!
¬Ainda acho burrice, mas... O que vocês vão fazer, saindo sem dinheiro?
¬Eu tenho uma boa quantia junta, então vou pegá-la e assim que chegarmos à próxima aldeia, ou até mesmo na cidade, nós alugamos uma casa.
¬Parece até boa a sua ideia, mas quando vocês voltam?
¬Talvez depois do casamento, ainda não decidi.
Ao passo que caminhavam e conversavam os dois já avistavam os dos cavalos marrons e mais ao longe uma carroça em bom estado no chão.
¬Você sabe que a mamãe vai ficar arrasada quando souber, não sabe?
Era verdade. Martha Bifrost era uma mulher muito soberba e talvez não tivesse coragem de sair de casa depois que toda a aldeia soubesse que seu filho mais novo fugira com a filha de uma dos empregados do seu marido.
¬Ela logo mudará de ideia quando vir o primeiro neto. Por isso penso que talvez seja melhor esperar o nascimento de nosso primeiro filho para volta!
¬Você já está pensando em filhos?...
¬Lógico...
Eles finalmente chegaram aos cavalos, alguns poucos raios de sol que saiam por entre as nuvens nubladas iluminavam os pelos lustrosos dos cavalos, as folhas de alguns carvalhos haviam caído com o vento, e mais atrás sob a sombra de um salgueiro estava a carroça que Julian usaria para fugir junto a amada. Os dois começaram a desamarrar as cordas que prendiam os cavalos.
¬Eu vou contratar alguém para que nos leve até a próxima aldeia, depois eu mando ele de volta junto com o seu cavalo, depois eu e Alice prosseguiremos a viajem a cavalo, ou ficaremos por lá mesmo...
Logo tudo estava pronto e a carroça também devidamente amarrada aos cavalos, eles seguiram a cidade onde Julian pegaria Alice e fugiria com ela, mas no meio do caminho viram rosas muito bonitas, logo além de um pinheiro.
¬Olhe que flores lindas, acho que vou fazer um buque para Alice...
¬Então vamos colhê-las! – disse Albert.
Eles foram até as flores e começaram a colhê-las. Julian as tirava do chão e ia entregando-as a Albert que as arrumava formando um lindo buque. Quanto mais colhiam, mais viam outras flores que poderiam complementar o arranjo e assim iam mais profundamente na floresta, quando se deram conta já havia se passado mais ou menos umas horas e eles já não eram mais capazes de ver outras arvores que não fossem pinheiros.
¬Poxa parece que a gente já está bem longe, não é Albert? – Dizia Julian enquanto colhia algumas tulipas. Ao tentar entrega-las ao seu irmão percebeu que ele já não estava mais lá. – Albert? – Ele olhou no canto e viu algumas flores vermelhas caídas no chão e mais algumas manchas de mesma cor no chão. Ele se assustou ao perceber que tudo estava coberto de sangue.
De repente um vulto branco irrompeu do meio das arvores e Julian não teve nem o tempo para distinguir o que era só sentiu as garras no seu pescoço e em seguida sua vida se esvaiu.

Alice ajudava sua avó à por as coisas em uma trouxa. Algumas roupas, uns pedaços de comida enrolados em papel e um colar de ouro que pertencia a sua avó e já estava na família há anos. As lagrimas escorriam do seu rosto e caiam por sobre as tralhas enquanto a menina arrumava a bagagem. Seu sonho sempre foi se casar de branco e ser levada pelo seu pai até o altar onde Julian a esperaria, mas esse sonho era impossível, uma fuga seria a melhor ideia. Seria.
Sua avó a acompanhou até a fronteira entre a vila e a floresta. A neblina caia fina sobre seu rosto, e ela aguardava ansiosamente o momento em que seu amor a viesse buscar. As arvores estavam com folhas de um verde marcante, costumeiras do começo do inverno que assolava a aldeia. Tanto o rosto de Alice como o de sua avó estava pálido, e as maçãs do rosto bem avermelhadas, o frio estava de matar, por isso a jovem resolvera por a camisa vermelha que sua avó fizera há algum tempo, ela a aquecia muito, a senhora por sua vez se cobriu com uma manta que carregava.
Depois de um tempo de espera, Alice viu a silhueta de Julian saído por entre os carvalhos e salgueiros da floresta. Ele estampava um sorriso largo, Alice jamais o vira sorrir daquele jeito, pensou então que fosse apenas animação por estar fugindo com o amor de sua vida, que era ela. Ao invés de vir até ela e carrega-la, ele simplesmente saiu correndo e Alice entendeu esse ato como um chamado para que ela o seguisse.
¬Onde ele está indo? – Indagou Gondolice.
¬Provavelmente quer que eu o siga! – Ela pegou as trouxas que estavam na mão da avó. – Tchau vó! Eu te amo muito... – Sua avó lhe deu um beijo na testa, como ela sempre fazia ao lhe cumprimentar quando ainda era jovem.
¬Eu também lhe amo muito minha neta! Vá! Siga até a sua felicidade!
E assim Alice começou a seguir o seu amado por entre a floresta. Os últimos resquícios de raios do sol foram apagados pelas nuvens nubladas, e o verde das arvores dava uma nova iluminação a cena. Mas aos poucos o verde marcante dos carvalhos e salgueiros foi substituído por um de tom mais obscuro, e depois de um tempo de correria Julian parou e virou-se para Alice. Seu rosto mostrava um sorriso cruel, o qual assustou bastante a menina.
¬Por que essa cara Julian?
Quando ele abriu sua boca, o som metálico ecoou por ela e seus lábios começaram a se afastar como e outra pessoa estivesse saindo da boca do rapaz. Aos poucos as roupas foram entrando na pele, e esta foi tomando formato de um longo vestido. A face agora não tinha nada, era simplesmente pele lisa, apenas com um corte tampado por linhas o lugar da boca. As mãos ficaram mais femininas, mas de um jeito assustador, e tinham garras grandes.
Alice ficou extremamente assustada ao ver a cena, e começou a andar para trás até bater em uma arvore. O susto lhe veio quando ela olhou para cima e viu o tipo da planta: um pinheiro. Havia vários deles lá, ela havia corrido tão distraída que não percebera esse detalhe. “Diga para Julian pegar o caminho dos carvalhos e salgueiros, jamais andar pela floresta de pinheiros! [...] Muitas mortes andam acontecendo lá! É melhor evitar o caminho!”, dissera sua avó, naquele ponto em que ela estava já não dava mais para ver qualquer outro tipo de arvore, e agora ela sabia o que havia causado as mortes, a criatura que estava em frente a ela.
Quando a criatura estava acabando de se transformar um pensamento atingiu pesadamente a jovem. Julian havia morrido. Onde estava ele neste momento, ele não a deixaria sozinha com um monstro, provavelmente a criatura havia devorado o seu amado. Lagrimas escorreram do seu rosto e se misturaram as gotas de água que caiam do céu, uma onda de tristeza abatia a menina.
Após estar totalmente transformado, o monstro tentou se aproximar rapidamente de Alice, mas algo o impediu. A jovem percebeu então que ele não podia entrar pela região sombreada, era como se um campo de força o impedisse. A criatura horrorosa continuou circulando a região ao redor da menina, às vezes ele mergulhava numa poça e água e saia em outra.
Foi um bom tempo que se passou, provavelmente agora já estava mais ou menos na parte das cinco horas da tarde, Alice continuava chorando a se pergunta o que havia acontecido com seu amado, algumas vezes tentou gritar, mas o grito era suprimido.
Ela teve uma ideia arriscada, mas que talvez a salvasse. Ela não sabia ao certo o quanto estava distante da floresta dos carvalhos e pinheiros, mas provavelmente não seria mais que alguns metros. Talvez se ela chamasse a atenção do monstro com algo, tivesse tempo para pular para outra sombra de arvore, e assim ela conseguisse chegar à outra floresta. Ela não sabia se o monstro não poderia entrar naquela parte, afinal ele se transformara em Julian para atrai-la e fora até a aldeia, porém e se ele só pudesse ultrapassar os pinheiros quando estivesse transformado? Ela poderia fugir para aldeia e pedir socorro.
Tirou uma das camisas que estava em sua trouxa e jogou para trás, sentiu uma lufada de vento atrás de si e pulou para a próxima sombra.
¬Deu certo! – sussurrou.
E assim ela foi pulando de sombra em sombra, algumas vezes bambeando e quase caindo, porém conseguia se equilibrar e continuar a sua jornada até a aldeia. Aos poucos suas tralhas foram sendo destruídas ao vento e a menina finalmente estava a uma sombra de entrar na floresta dos carvalhos, a próxima sombra já era de um salgueiro, mas a única coisa que lhe restara para jogar fora o colar que sua avó lhe entregara com tanto amor.
ƒ o fim, monstro! РSussurrou para si mesma. РEu vou te despistar.
Quando ela jogou para trás e deu um pulo para a sombra suas pernas se desequilibraram e saíram da penumbra sombreada. Porém ela não se assustou, afinal já estava fora da região dos pinheiros. Ela se virou olhando diretamente para o monstro que parecia lhe encarar.
¬Você não pode mais me pegar! – Exclamou quase sorrindo. – Eu não estou mais na sua área.
O monstro desapareceu de repente e cravou a suas garras no peito da menina do qual espichou sangue. Suas garras chegaram ao coração e a aberração pôs sua boca costurada por cima do corpo, que foi absorvido aos poucos.
As feições feias do monstro foram lentamente sendo substituído por traços femininos, cabelos escuros, e maçãs do rosto vermelhas. Agora não se via mais um monstro, era Alice que estava em seu lugar. Ele seguiu em direção a aldeia, onde atrairia mais pessoas para a dolorosa morte.

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